Ocasiões especiais merecem comemorações especiais. Por essa razão, estou aqui tirando as teias de aranha desse blog (lembram da época que blogueiro era quem escrevia blog e não quem fazia dancinha no tiktok e publipost de recebidos no instagram?) para celebrar e relatar minha experiência na Ultra Trail Challenge da Pedra Grande Trail Runners.
Senta que lá vem história.
Por falar em teias de aranha... quem lembra dessa? |
Comecemos do começo.
Após correr os 80km da La Mision em 2018, entrei num estado de desmotivação absurdo. Foram vários fatores que me levaram a esse estado de apatia trail e ele, por sua vez, me fez diminuir drasticamente o volume de treinos. Nisso eu perdi capacidade de correr longas distâncias e perdi a própria vontade de voltar a me dedicar a treinar de forma frequente - até mesmo para curtas distâncias.
Quando estava finalmente passando dessa fase, veio a pandemia e eu me tranquei no apartamento por pelo menos 7 meses, sem nenhum tipo de exercício físico.
Depois desse intervalo quarentenado, resolvemos voltar a treinar em trilhas para dar uma arejada na cabeça mas, logo no nosso segundo treino, a Cris lesionou o tornozelo e voltamos para nossa toca por mais um longo inverno.
Paralelamente, graças a todo esse tempo em casa, reavaliamos nossas prioridades e, sempre que surgia a oportunidade de escapar de SP no final de semana, passamos a optar por ir para algum local em que pudéssemos levar nossas cachorras. Logo, treinos ou mesmo passeios de alta quilometragem deixaram de fazer sentido. Era (e ainda é) muito mais gostoso fazer um trekking de 5km com minhas meninas do que correr 20 ou 30km sozinho.
Pois bem. Lá pra novembro do ano passado um grande amigo disse que não poderia correr a Ultra Trail Challenge Pedra Grande e me presenteou com a inscrição dele. Na ocasião, ambos pensamos que seria uma boa oportunidade para eu voltar a me motivar a treinar com regularidade e voltar a correr longas distâncias. E de novembro até o fim de maio tinha bastante tempo, então, por que não?
O tempo passou ("e eu sofri calado, não deu pra tirar ela do pensamento, eu ia dizer que estava apaixonado...") e nada da motivação aparecer. Resumindo, de janeiro até a data da prova, eu rodei 441km entre trotes e trekkings curtos com as cachorras, sendo que os treinos efetivamente corridos foram feitos quase que exclusivamente no asfalto (a exceção foi a Itapeti Trail Pico do Urubu, onde corri 21km, em março, como parte da preparação). Ou seja, com uma média de mais ou menos 21km/semana e virtualmente sem treinos técnicos, era uma grande loucura tentar correr os 58km com 3 mil de desnível positivo da UTC.
Mesmo assim, dia 28/05/2022, às 3h da manhã, lá estava eu tomando café e me preparando para pegar a estrada com destino à Atibaia, onde largaria às 6h00 para a minha primeira ultra em 4 anos e para a prova longa para a qual eu menos treinei na vida. rs
Apesar de saber que meu treino estava muito aquém do necessário para encarar a pedreira que seria essa prova, eu não estava nem um pouco nervoso ou ansioso, o que foi ótimo.
5h50, dei meu selinho na Cris (que dessa vez iria ficar na arena me esperando, ao invés de correr), me despedi das cachorras e fui alinhar no pórtico de largada, com a headlamp na cabeça, pois ainda estava bem escuro.
6h e lá fomos nós, rumo à escuridão. Em menos 1km entramos na trilha e em mais ou menos 20 minutos o dia começou a clarear, justamente quando comecei a passar pelos primeiros trechos técnicos do percurso (inclusive passando em trechos inéditos para mim - e olha que treino na região há pelo menos 7 ou 8 anos).
A cidade acordando e o chicote estalando |
Íngreme? |
Apesar de ter largado no pelotão do meio e de forma bem tranquila, quando cheguei ao primeiro PC (km 13?) fiquei surpreso ao encontrar o Arthur e o Teté do Trail Beer se abastecendo. Os bichos são galáticos! Treinam e correm demais - e, certamente, muito mais do que eu nos últimos 2 anos - então isso só poderia significar uma coisa: eu estava fazendo m#rda e queimando o cartucho cedo demais! rs
Tomei um isotônico, meti duas paçoquinhas na boca e segui adiante. Meia hora depois atingi o cume da Pedra Grande e mandei uma mensagem para a Cris informando que eu estava com 19km de prova, em 3h07 e que estava bem.
Descendo um pequeno trecho da estrada encontrei o 2º PC e tive a alegria de encontrar o Arthur Vianna, organizador da prova e grande amigo. Dei-lhe um abraço, cumprimentei também os queridos Márcio e Raquel que estavam de staff naquele ponto, tomei mais um isotônico e entrei novamente na trilha. Quando o percurso começou a descer (e era uma descida deliciosa), as pernas começaram a dar sinais de fadiga... e olha que eu ainda estava no primeiro terço da prova!
Eu já esperava que isso iria ocorrer mais cedo ou mais tarde, considerando minha falta de treinos específicos, mas estava torcendo para que fosse só mais tarde mesmo. rs
Lá pelo km 25 as rodinhas caíram. Era um trecho bastante corrível, mas as pernas estavam moídas e a cabeça começou a entrar em espiral ("você sabe que não tinha nada que estar fazendo aqui né? Poderia muito bem ter alterado a inscrição pra 35km e ainda assim seria um desafio e tanto. Você mordeu mais que consegue mastigar... vai acabar se machucando de tonto...").
Chegando à Pedra do Coração, fui ultrapassado pela Bete Prado (que concluiu a prova em primeiro lugar na categoria feminina), o que mostra, mais uma vez, que eu tinha feito cag@da e tinha forçado mais do que devia (inclusive enviei outra mensagem para a Cris nesse momento, quando o relógio marcava 10h30 da manhã: "28.5. Pedra do Coração. Morrendo").
Mas agora era tarde demais pra remediar isso e, como eu não estava machucado, só restava uma coisa a fazer: avançar um passinho por vez por mais 30km.
Fácil não estava. Gostoso também não. Mas o dia estava bonito, o percurso era lindo, eu sabia que a Cris e as minhas cachorras estavam me esperando na arena e a única forma de chegar lá seria avançando.
Depois que a Bete me passou, fiquei um bom tempo sozinho no percurso, dando ainda mais chance pra cabeça pensar em coisas ruins. De repente comecei a ouvir o ruído de bastões batendo no chão de forma ritmada. Logo na sequência o Thiago (da Guerreiros Trail) me alcançou. O cara é um verdadeiro trator nas subidas. Dá gosto de ver!
Começamos a conversar e percebemos que, como os dois estavam meio fritos, a companhia era muito bem-vinda e benéfica. Fomos juntos, intercalando trote e caminhada, por mais de 10km, sonhando com o PC 3 e com a possibilidade de comprar uma coca cola gelada (já que, segundo o manual do atleta, esse PC estaria montado dentro de uma cervejaria).
Até aquela altura, o percurso estava impecavelmente demarcado. Só que no km 43 era para entrarmos num singletrack/downhill de bike que nos levaria ao PC, e esse single nunca apareceu.
A estrada continuava demarcada, então seguimos em frente.
A vontade de chegar logo ao PC aumentou, ganhei uma segunda dose de ânimo e comecei a correr "de verdade" naquela estrada, mesmo sem saber se estava no percurso correto ou se tinha pego o percurso dos 85km sem perceber.
Recebi uma mensagem da Cris quando eu estava no km 48 dizendo para eu tomar cuidado para não entrar no percurso dos 85km, pois alguém havia sabotado as marcações - e pouco depois encontrei mais uma vez com o Arthur, que confirmou que a marcação havia sido sabotada (lamentável que em pleno 2022 ainda tenha gente mal intencionada que se dê ao trabalho de sair de sua casa só para atrapalhar a vida dos outros). Ele me explicou que caminho fazer até o próximo PC e como ir do PC à chegada enquanto ele remarcava essa rota alternativa.
Joguei o nome da cervejaria (Bira Beer) no Google Maps e segui adiante, mas não dá pra negar que o desânimo bateu novamente, dando chance para as dores me lembrarem que elas estavam ali. Nesse ponto, em que eu já não conseguia mais correr, encontrei o Richard, que estava concluindo os 85km e seguimos juntos até o PC.
Subindo a rampa de acesso da estrada ao PC, acompanhado de uma staff, vi uma pessoa com um copão de cerveja na mão (era o Bira, dono da cervejaria). Meus olhos brilharam, a boca salivou, o coração ficou quentinho e o ânimo voltou com tudo!
Tomei um isotônico só pra lavar a boca e pedi uma APA ao Bira. Sentei para tomar minha cerveja com calma, curtindo o momento. Melhor PC da minha vida esportiva! kkkk
Faltando ~5km a gente faz o quê? Para pra tomar uma APA com calma, claro! (os pés tortos mostram que, mesmo sentado, as bolhas estavam incomodando bastante) |
Nem dava vontade de sair... quase falei pra Cris ir até a cervejaria pra gente ficar por lá mesmo aproveitando o dia. Mas agora faltava tão pouco - e eu estava reidratado e reanimado, então por que não continuar? rs
Levantei, paguei a cerveja, falei ao Bira que voltaria (e cumpri a promessa no dia seguinte! rs) e botei o pé na estrada outra vez.
Meia hora depois estava cruzando a linha de chegada, encontrando a Cris, minhas meninas, o Victor (que também estava na função "apoio de atleta" e fazendo companhia para a Cris desde às 6h) e revendo muita gente querida na arena - essa é, certamente, a melhor parte do retorno às provas.
Cansado? Sim. Feliz? Também! |
Foram 9h15 de paisagens incríveis, amigos, dores, desconfortos, euforia, alegria, altos e baixos (em todos os sentidos), como é comum numa prova longa. Resumindo, foi perfeito!
Ainda mais perfeito foi que, tirando as bolhas nos dois pés (natural, já que a pele do meu pé está "fina" pela falta de treinos longos), eu terminei a prova me sentindo muito bem e apenas com dores musculares moderadas! Sucesso absoluto! rsrs
Bom, era isso que eu tinha pra contar. Espero que a rinite alérgica não tenha atacado depois de vocês entrarem nesse blog velho e abandonado às traças! rs
A gente se tromba nas trilhas! ;-)