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sexta-feira, 6 de julho de 2018

Embrace the Perrengue


Quem me conhece há algum tempo sabe que sou um bicho muito do besta um grande apaixonado não apenas pelas corridas de montanha como também por toda a cultura e história das provas longas e fora de estrada (ultra trail).

Além disso - ou justamente por causa disso - sou meio que nerdão no assunto. Gosto bastante de ler avaliações de equipamentos e, principalmente, relatos de provas.

Infelizmente, tirando RXplorerRei da MontanhaTrail Running NetMontanha Minha PraiaTe Levo Pra Trilha e mais alguns poucos (é uma pena que Manu Vilaseca e Fernanda Maciel não escrevam mais relatos como antigamente) não temos tantos sites de relatos de provas em português quanto eu gostaria (se você conhecer e recomendar algum, deixe nos comentários!), então a maior parte dos relatos que leio são em inglês.

A oferta de relatos em inglês é gigante! Você consegue ler sobre a mesma prova do ponto de vista de um corredor Top 10, e do ponto de vista do cara que passou a prova inteira lutando para fugir do corte. Na minha opinião, essa experiência quase "vicária" é muito enriquecedora, e dá pra aprender bastante coisa assim.

Acontece que de tanto ler relatos em inglês - desde antes de correr mais de 12km -  sempre que estou no meio de uma prova ou treino longo, meu cérebro começa a repetir frases de efeito e mantras em inglês e chego mesmo a pensar na prova em inglês (tontão, eu sei... mas não controlo isso).

Sou usuário assumido de mantras e realmente acho que eles têm um poder bastante positivo no meu estado de espírito na hora que o bicho pega.

Mantra (segundo o primeiro resultado do google 😂) é um hino do hinduísmo e budismo que é dito de forma repetida e tem como objetivo relaxar e induzir um estado de meditação em quem canta ou escuta.

Não me lembro de qual foi o primeiro mantra que usei em prova ou treino, mas lembro especificamente de, na minha primeira prova de 50 km (após passar mais de 30 dias sem conseguir correr por causa de dores no quadril), repetir inúmeras vezes uma frase que li num livro do Scott Jurek: "Pain only hurts" ("a dor apenas dói" - em tradução livre).

Cheguei mesmo a imprimir essa frase e colar na aba do boné (se você abrir o relato, conseguirá ver o durex colado na aba do boné! rs). Antes mesmo da dor bater, eu já havia condicionado meu cérebro a ignorar a dor, pois, no fim das contas, a dor apenas dói (usei esse mantra novamente quando rompi parcialmente os ligamentos do tornozelo e, mesmo assim, resolvi "correr" o Desafio 28 Praias em dupla com a Cris para honrar as inscrições que havíamos recebido de cortesia da organização).

Pelo menos a tala combinava com o outfit
😂
Em outras provas uso como mantra o título de um livro do Bryon Powell - "relentless forward progress" - pra me convencer a continuar em frente, um passinho de cada vez, no pace do jabuti manco, mas sem parar e sem sentar para descansar.

Ou quando me sinto todo pimpão nos primeiros quilômetros de uma prova e repito algo que li num relato acho que da Kaci Lickteig (que já foi campeã da Western States) - pace sustentável, pace sustentável, pace sustentável - até me acalmar e entrar num ritmo que não vá me comprometer mais pra frente na prova.

Esse ano, em especial, que nossos treinos estão cada vez mais longos (em distância e duração), tive bastante tempo para cunhar um novo mantra - que já é muito querido em meu coração.

Se você leu o relato da última travessia que fizemos na Serra Fina, o conceito não será novo para você. Se você não leu, esse mantra é o Embrace the Perrengue.

Não é um mantra para se usar em toda e qualquer ocasião, mas é um mantra que tem bastante aplicabilidade.

Por exemplo:
- Você vai correr a Ultra dos Perdidos esse ano, checou a previsão do tempo e viu que vai chover trocentos litros na semana que antecede a prova. Você pode: 1) xingar muito no twitter; 2) separar o anorak, embalar bem as coisas na mochila e reclamar muito que vai estar muito abafado dentro do anorak, que vai se molhar com ou sem a jaqueta, que isso, que aquilo; 3) separar o anorak, embalar bem as coisas na mochila e se preparar pra fazer anjinhos na lama antes do fim da prova!
- Você planejou uma viagem-treino por meses e, na véspera da viagem, descobre que o tempo mudou, estará tudo fechado e não dará para ver e tirar foto de nada. Você pode: 1) cancelar a viagem-treino; 2) ir para o local e fazer um treino alternativo, para evitar o desgaste de fazer toda a pernada sem ter as paisagens como recompensa e ainda assim ficar com ranço do rolê; 3) ir mesmo assim, tirar 800 fotos dentro das nuvens e rir bastante disso.

Ao fundo, o fantástico visual da Pedra das Flores, que
atrai milhares de turistas à Extrema todos os anos.
Se você optou pela terceira alternativa nos casos acima, isso é Embrace the Perrengue.
Como falei no relato da travessia, não é simplesmente aceitar que vai ter perrengue. É aceitar de braços abertos, sem rancor, sem ranço e ainda aproveitar para zoar muito no caminho.

Quem escolhe voluntariamente fazer uma prova de montanha de 50, 80, 100+km já sabe que vai ter momentos de dor, de cansaço extremo e de dúvidas. Mas isso não significa que você não pode se esforçar para transformar esses momentos em ocasiões divertidas, positivas e memoráveis, ainda que doloridas.

A opção é e sempre será sua.


E aí, quando os obstáculos surgirem no seu caminho, você vai rançar ou vai Embrace the Perrengue?



E você, também costuma repetir mantras enquanto corre? Quais?

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