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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Relato: Pico do Urubu - O seu limite nem sempre é você quem cria

Sabe aquela prova que não era pra você correr por uma série de fatores (falta de treinamento, lesão, falta de $$, etc., etc.) e você acaba se inscrevendo mesmo assim e por apenas um fator (empolgação)? Pois é, o Circuito Metropolitano de Carrera em Montanha - Etapa Pico do Urubu, da Ritmo Certo, foi assim.

Não tínhamos a pretensão de correr tão cedo esse ano, já que ainda estamos no período de base de nosso treinamento e voltando de férias (e eu ainda lesionado). Ocorre que alguns amigos haviam dito que iam correr essa prova, a gente se empolgou, fez as inscrições para correr 10km e quando viu os "modafocas" tinham desencanado de participar! rs

Aproveitamos e chamamos mais um casal de amigos que tinha vontade de estrear em montanha e formamos nosso "bonde" para a conquista do Pico do Urubu, sob o lema de "O seu limite é você quem cria" (bordão da organização).

Nós e os estreantes, prontos para a largada!
O calor e o tempo seco estavam castigando a região já há algum tempo, então dava pra imaginar que a prova não seria nenhum algodão doce.

A largada foi dividida em 3, para evitar o congestionamento na saída do Sítio do Simei - onde a prova iria iniciar e terminar, e às 8h30 largaram os atletas dos 21km, às 8h45 os dos 10km e às 9h00 saíram os corredores dos 5km - modalidade escolhida pelos nossos amigos para estrear nas montanhas.

Resolvi aproveitar a prova para testar minhas recentes aquisições em condições reais: Pearl Izumi Trail N2 e colete de hidratação da Ultimate Direction modelo AK Race Vest. Esse colete tem como padrão duas garrafas de ~600ml, mas como a prova teria apenas 10km e a organização oferece água no percurso, resolvi colocar duas garrafas de ~300ml nos bolsos, para reduzir o peso.

Eu havia estudado o percurso e a altimetria divulgados ao longo da semana e tentei bolar uma estratégia para não ficar preso no congestionamento quando começasse a parte de single track (apesar de não ser possível saber onde era estrada e onde era trilha só de olhar no mapa do percurso...rs). Em todo caso, eu vi que seriam aproximadamente 7,5km de subidas graduais e 2,5km de descida até perto da linha de chegada  - chegada essa que por puro sadismo ficava no alto de uma subida, dentro do sítio.

Percurso e Altimetria ""oficiais"" para os ""10km""
O grande Locutor Maquininha anunciou a largada, dei meu selinho de boa prova na Cris e lá fomos nós.
Eu, sem ritmo e sem condicionamento como estava, fui no "devagar e sempre" até a primeira subida, onde reduzi o comprimento das passadas e continuei meu trote leve.




O calor já estava insuportável. Desde a primeira subida senti necessidade de tomar água das minhas garrafinhas. O lado bom é que naquele momento eu não estava sentindo dores nas tíbias, então pensei que se conseguisse manter aquele ritmo por 10km, as dores não iriam me incomodar.



Continuamos subindo, subindo e subindo e, de tempos em tempos, passávamos por bifurcações com placas indicando 21km para a esquerda e 10km para a direita, sempre com um ou dois staffs por perto.
Eu, que adoro subidas, já estava um pouco de saco cheio de tanto subir - principalmente por causa da minha falta de condicionamento. Finalmente saímos da estrada de terra e viramos à esquerda num single-às-vezes-double track em declive acentuado, com uma bela vista.


Essa descida durou uns 3 minutos e fui bem na maciota, para evitar impactos muito fortes.
Ao longo do caminho passamos por eucaliptos cortados e empilhados nos dois lados da trilha, passamos por um single track em meio a raízes, galhos e folhas secas, no estilo switchback (ou zig-zag) e em aclive.



Saímos dali e nos deparamos com uma ladeira em concreto, bem acentuada, onde a única forma de locomoção era a caminhada.


Pouco tempo depois, comecei a reparar que algumas imagens pareciam repetidas... aquela sensação de deja vu, sabe? Ainda assim, desliguei o meu sensor-É-Cilada-Bino e prossegui adiante.

Respira, respira, senão o coração salta pela boca! rs

Após uma descida relativamente longa, iniciamos nova subida... na minha cabeça, naquela altura da prova não era mais para ter tanta subida... mas como eu estava o tempo todo seguindo as orientações dos staffs e as placas dos 10km, deixei a inquietação de lado e foquei minhas energias em reclamar mentalmente do calor, da minha ideia tonta de correr sem estar preparado, na minha água que estava acabando e por aí vai.

Entrei novamente num single track e me deparei com o Nelson, que treina comigo e foi para a prova apenas caminhar, já que havia feito uma cirurgia nos joelhos... ele virou para mim e disse "Ué, o que você tá fazendo aqui, Gabriel?? Eu estou caminhando e estou na sua frente? Você pegou o caminho certo??". Aí sim eu fiquei cabreiro. Dali para a frente, comecei a encontrar muitas e muitas pessoas caminhando ou trotando devagar à minha frente. Não era possível que essas pessoas estivessem na minha frente. Não fazia sentido.

Mas eu tinha certeza absoluta que havia seguido todas as placas e orientações dos staffs e não havia tomado o caminho errado... Finalmente saí da trilha e encontrei um staff... bem naquela ladeira de concreto! Perguntei pra ele quanto faltava para acabar e ele me olhou com cara de ponto de interrogação... pedi água e ele disse que não tinha mais. Na minha garrafa faltava uns 100ml de água... Nisso, uma das corredoras ouviu minhas perguntas e deve ter visto minha cara de pânico e disse que quem corria 10km teria que dar duas voltas numa parte do percurso. Apesar de não fazer muito sentido, lembrei de ter visto uns loops no mapa do percurso antes de sair de casa e tentei me apegar a isso. Só que meu GPS já estava marcando 9km nesse momento, e eu ainda estava subindo!!!

Na altura do km 11 eu encontrei mais dois corredores dos 10km com cara de quem tinha acabado de perceber que tinha dado duas voltas no mesmo trecho e um staff com cara de "o que é que eu estou fazendo aqui" e que não sabia responder nenhuma pergunta. Ao invés de sair da pista de terra e entrar na trilha onde o staff estava postado - o que implicaria em dar 3 voltas no mesmo trecho - resolvemos seguir na pista de terra ladeira abaixo, decisão que se mostrou acertada.

Aí minha água acabou, o calor só aumentava, o ânimo foi pro saco e a vontade era de abandonar tudo ali mesmo. Eu não estava preparado para correr nem 10 km, quanto mais a distância final X que teríamos que correr até voltar ao sítio!

Nesse ponto descobri como a nossa mente tem poder sobre nosso corpo. Eu estava cansado, com sede e sofrendo com a falta de condicionamento físico desde o início, mas havia me proposto a correr 10km e faria isso de qualquer forma.
Quando caiu a ficha caiu de que eu havia corrido uma volta a mais e que não sabia quanto mais teria de correr até o final, e de que estava sem água, bom, minha cabeça começou a me mandar mensagens do tipo "meu, desencana... pra quê isso?! você tá machucado, cansado, sem água, não treinou, não vai mais conseguir alcançar ninguém... você nem sabe quanto falta pra acabar! Pra que ter pressa?". Tentei ignorar essas mensagens, mas não tive sucesso. Comecei a andar... NO PLANO!

A sensação era um misto de derrota com "fui feito de otário". O problema é que eu estava com MUITA sede e se eu seguisse andando, poderia levar mais 40 minutos pra terminar! Eu não ia aguentar. Comecei a me xingar por ter feito a inscrição por puro e simples oba-oba e, principalmente, por ter deixado minhas garrafas de 600ml em casa e trazido as de 300ml! PQP... eu TINHA que continuar trotando pra acabar logo essa joça.

Descida? Ok, dá pra correr um pouco... principalmente depois de ter visto o fotógrafo! rs

Então cheguei num ponto onde identifiquei a estrada que levava ao sítio. Nesse ponto deveria faltar ainda um quilômetro para o fim. Finalmente encontrei um posto de hidratação abastecido (mas não muito, pois ouvi uma menina dizer que ela só tinha mais 3 copos d'água), matei meu copo em dois goles - mais babei do que bebi - e segui em frente... caminhando! Minha mente havia vencido e eu já estava falando em voz alta "correr pra quê? é melhor ir andando". Nesse aspecto, o bordão da organização estava certo... foi minha mente que criou o meu limite ali - isso se desconsiderarmos que minha mente vinha muito bem até me mandarem pro lugar errado.

A uns 300m do final havia um botecão. Faltou pouco, mas muito pouco para eu entrar lá e pedir uma cerveja... muito pouco mesmo! Mas segui caminhando e de vez em quando trotando... passei andando pela porteira do sítio e, de cabeça baixa, iniciei a última subida até o pórtico de chegada - só não coloquei as mãos nos bolsos porque eu não tinha bolsos. Nem os gritos do Maquininha, que sempre me empolgam, foram capazes de me tirar da caminhada.

Cruzei o pórtico com 1h48:19 e encontrei a Cris, com cara de desesperada, com medo de que eu tivesse me machucado e estivesse caído no meio do mato esperando por socorro rs... Afinal, ela está acostumada a me ver esperando por ela do outro lado da linha de chegada, e não o contrário. Fiquei bastante aliviado por ela já estar lá, e não ter se perdido também. Ela fechou o percurso (11km, e não 10) em 1h40:50.

Cris prestes a cruzar a chegada

Não sei se alguém tirou foto, mas gostaria de ver minha cara ao terminar essa prova. As pessoas com quem conversei disseram que eu estava transtornado, puto da vida, com cara de quem ia explodir.

No total, os 10km se tornaram 14,2km.
O problema não está nos meros 4,2km a mais (42% a mais). Já corri distâncias maiores que essa e tudo foi bem. A questão é que eu havia me inscrito para 10km, havia corrido pensando em 10km, havia levado água e carboidrato para 10km... quando o GPS marcou 7km e a gente começou a descer, eu sentei a bota pensando que dali para o final seria só descida!!!

Agora compare com o percurso oficial e veja que a parte que tive de fazer duas vezes era justamente a parte mais tensa!

Eu entendo que infortúnios com staff podem acontecer em qualquer prova (seja no Brasil ou no exterior), mas isso poderia ser evitado com algumas placas a mais (ou com staff melhor treinado).

A organização ainda atuou para minimizar o impacto negativo e apaziguar os ânimos exaltados dos corredores que "foram perdidos" - pois eu não me perdi, eu fui induzido a me perder! - e criou na hora uma premiação para a categoria 15km, apenas para os 3 primeiros colocados masculino e feminino (o que agradou somente esses 6 corredores... mas, convenhamos, não tinha muito mais a ser feito).

Como nem tudo são espinhos no Pico do Urubu, deixe-me falar do ponto alto do domingo: a banquinha vendendo churrasquinho com cerveja e ducha/piscina liberadas para o público!

Só uma piscininha pra lavar a alma e tirar a zica mesmo!
Além disso, claro que aproveitamos a oportunidade para socializar com os amigos de outras temporadas e competições e para fazer novos amigos. Afinal, essa é uma das razões de participarmos de tantas provas.

Socializando com o casal louco - que a gente só conhecia da internet! rs
Para finalizar, deixo aqui meus parabéns pra Milena e para o Alê, que agora estão iniciados nos mistérios das montanhas e mandaram muito bem nos 5km!