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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Relato: Ultra Desafio Aiuruoca 50km

Em janeiro desse ano, após participar da BR 135 como pacer, aproveitei mais uns dias de férias e decidi conhecer a cidade de Aiuruoca, em Minas Gerais.
Foi paixão à primeira vista.

Pico do Papagaio - fevereiro 2016
Tanta coisa para conhecer, tanta calma, tanta paz.... fomos embora da cidade já sabendo que voltaríamos em breve.

Avance o calendário para junho. Estava eu matando tempo no Facebook quando vi uma imagem que me chamou muito a atenção:


Na mesma hora mandei um email para a organização para pedir mais detalhes do evento. Eu ainda tinha uma semana de férias para queimar esse ano e não ligaria nem um pouco de usá-la para retornar à Aiuruoca! Estava decidido!


Fomos os primeiros inscritos na prova (só pra ter uma ideia da obsessão! rsrs) e, para apimentar as coisas, escolhemos a distância de 50km.

A Cris, que nem mesmo se imaginava correndo 42km até recentemente, achou que eu estava louco, mas eu não poderia deixar passar a oportunidade de explorar mais aquela região que tanto me encantou. Loucura mesmo seria escolher os 80km (que acabaram alterados para 90km por exigência do Parque Estadual Serra do Papagaio) só para correr por quilômetros e quilômetros de trilhas pouco exploradas... Louco para isso eu sou, mas não sou bobo e não pulo etapas, então resolvi ficar nos 50km mesmo que já seria um desafio e tanto.

Inscrição feita, planilhas estruturadas e tudo o mais, mas a vida é mutcho loka e não tá nem aí pras suas planilhas de Excel coloridinhas.

Em julho comecei a sentir um incômodo no posterior da coxa esquerda e tive que reduzir meu treino para duas ou às vezes apenas uma vez por semana.

Fiz alguns exames, mas não foi possível definir exatamente qual era o meu problema, então continuei tentando treinar.
Em agosto o incômodo já estava mais forte e irradiando para a virilha e quadril, fazendo com que eu mancasse com frequência.
Comecei a fazer fisioterapia, tentando treinar pelo menos uma vez por semana e, geralmente, abortando o treino por causa de dores.

Setembro chegou com tudo, trazendo com ele o Desafio das Serras e o Desafio 28 Praias.
A fisioterapia me ajudou a chegar ao Desafio das Serras sem mancar, mas a prova foi pesada e correr o Desafio 28 Praias 6 dias depois não foi muito sábio. O estrago tava feito e - aparentemente - não tinha mais conserto.

Passei setembro inteiro me queixando de fortes dores, mancando para subir e descer escadas, evitando correr até mesmo para pegar o ônibus.
Faltando uma semana para a prova resolvi correr na terça e na quinta. Na terça aguentei 100m e parei, mas pelo menos fiquei sem dores novas no dia seguinte.
Na quinta, aguentei no máximo 300m e as dores e o caminhar no estilo "ponto e vírgula" se intensificaram bastante.

Estava convencido de que a prova que havia aguardado tanto tempo estaria perdida. Ainda pior, estava convencido de que minha última semana de férias também iria pelo ralo, já que não seria possível aproveitar nenhuma das trocentas trilhas e cachoeiras de Aiuruoca se eu não conseguisse andar 100m sem gemer.

Consegui encaixar uma consulta de última hora com meu ortopedista faltando 4 dias para a prova e ele me disse mais ou menos o seguinte: "Gabriel, a gente ainda não sabe exatamente a origem das suas dores. Elas não estão exatamente iguais desde que você veio aqui no meio do ano e os exames não mostraram nada de particularmente grave. Se eu fosse você, eu correria. Esteja preparado para desistir durante a prova, mas não desista de largar".

! Jamais esperaria esse tipo de carta verde! Mas se o doutor falou, tá falado! rs

Viajamos para Aiuruoca na quinta e já começamos a aproveitar o que a cidade tem de melhor, sem que eu me preocupasse muito com a prova.

Testando o quadril com a cachoeira dos Garcias ao fundo
Cris brincando na Cabeça do Leão
Havia decidido que tentaria correr e, se as dores estivessem muito fortes, abandonaria a prova pelo percurso dos 15km. Se conseguisse continuar, faria uma reavaliação no km 19, onde o percurso dos 30km e dos 50km se separavam, para decidir se seguiria nos 50km ou abortaria nos 30km.

Apesar de ter passeado e feito trotinhos de 100m (só pra tirar fotos pro nosso instagram rs) nos dois dias anteriores à prova, eu continuava com dores e, mais do que isso, eu tinha consciência de que não treinava de verdade desde julho e não corria mais de 500m desde o Desafio 28 Praias. Logo, eu sabia que estava completamente despreparado para correr essa prova e estrear nos 50km.




No sábado pela manhã, Cris, Karol e eu alinhamos juntos lá no fundo, cantamos o hino e, com o toque da buzina, saímos trotando vagarosamente.




Não havíamos combinado nada disso antes, mas acabamos percorrendo as primeiras centenas de metros do percurso lado a lado, o que acabou sendo muito legal para mim, pois meu medo era fraquejar logo nos primeiros passos.





Paredão laranja fechando a largada
Por sorte, em menos de 300m de percurso já apareceu a primeira subida e pude encaixar um bom ritmo de caminhada, sem me preocupar com as dores - que pegam pra valer mesmo nos planos e nas descidas.

Sabia que o percurso seria de subidas constantes com alguns trechos planos e/ou levemente inclinados pelos primeiros 12km, então estava mais preocupado mesmo era com a descida existente na altura do km 7 (caso optasse por desistir dos 50km e fechar com 15km) ou do km 12 (se permanecesse no percurso dos 30-50km).

Já no km 3 percebi que minha passada estava totalmente alterada, com sobrecarga na perna direita (a perna "boa"), e a panturrilha direita já começava a chiar.
A perna esquerda estava dolorida, como esperado, mas pelo menos não estava limitando nenhum movimento e não me fazia mancar nem nada do tipo.


Nesse momento tomei uma atitude meio clichezão-paz-e-amor, mas que acredito que foi o que me salvou naquele dia: eu escolhi não sofrer. Eu já sabia que a dor iria me acompanhar por todo o dia e também sabia que não poderia evitar a dor. Mas sofrer por isso era uma opção minha. Reclamar, ficar mal humorado, xingar, ficar pessimista... tudo isso poderia ser evitado se eu quisesse. E eu queria. E QUERIA MUITO.

Passei a tirar selfies e mais selfies sorrindo (nenhuma se salvou, para a sorte de vocês! rs) até que eu mesmo acreditasse nos meus sorrisos e começasse a me sentir verdadeiramente feliz.
E, convenhamos, eu não tinha razão para não estar feliz! Finalmente havia voltado para a cidade que eu tanto gostei, finalmente tinha a oportunidade de correr 50km, o tempo estava excelente - nem tão quente quanto imaginei, nem tão molhado como a previsão dizia.

Desse modo, no maior estilo hippie 2016, eu escolhi ser feliz.

Ao passar pelo primeiro PC, onde o percurso dos 15km se separava do percurso dos 30-50-90km, eu estava assim:


Firme e forte

Não havia porque não continuar.
Então armei meus bastões e iniciei a longa, íngreme e pentelha subida em estrada com calçamento no estilo pé de moleque.

Consegui adotar um ritmo bom e constante na subida, mas ao invés de os bastões fazerem o característico clique-claque a cada passo, estava mais para cliquiti-claquiti, pois era difícil achar um ponto de apoio pro bastão em meio às pedras pontudas e eles saíam escorregando adoidado.

Em todo caso, dali pra frente resolvi subir sem refresco, sem pausas e trotando todo e qualquer trecho menos inclinado. Eu estava adicionando horas no meu saldo. Os últimos 25km o percurso seriam relativamente planos e rápidos (para os demais), e estava convencido de que se conseguisse chegar lá eu já estaria bem acabado, então queria ter um bom banco de horas para gastar no final da prova...rs



E assim subi, subi, subi, até chegar à placa da entrada para humanos e entrada para duendes, que sinalizava o início do nosso primeiro trecho de trilha e o início das descidas. Havia um PC ali e aproveitei para tomar 2 copos de isotônico, pois a panturrilha direita ainda estava chiando um pouco.


Nesse ponto, todo pimpão com minha nova filosofia a-vida-é-linda, até esqueci do medo que eu tinha de as descidas me ferrarem de vez com as pernas.




Estava tão pimpão e preocupado em ser feliz que até esqueci de olhar para as marcações e segui correndo e gravando um videozinho... no qual é possível ver o momento que eu deixo de entrar na trilha (0:27s) e sigo correndo na direção de uma casa - na qual um senhor estava aspirando ou arrumando um carro na garagem! hahaha



Esse senhor me disse que a trilha estava a uns xx metros para trás e eu voltei o caminho, ainda feliz e contente e agora rindo da minha babaquice! rs


 Achei a trilha e desci todo bobão, feliz por estar ali e por não ter desistido de largar.








Na sequência dei de frente com uma porteira fechada e sem nenhuma marcação visível. Comecei a voltar o caminho e uma senhora gritou de dentro da casa dela que o percurso seguia após a porteira, então lá fui eu, com mais dois corredores.

Resolvemos ficar os três juntos nesse trecho para facilitar a tarefa de encontrar as marcações,que estavam um tanto quanto deficientes nessa parte do percurso.






A seguir passamos por uma pequena queda d'água e eu achei esse trecho tão bonito que resolvi fazê-lo duas vezes! rs



Em alguma parte dele eu me enganei e saí caçando fitinhas brancas. Quando as encontrei, dei de frente com a Priscila (no momento a líder dos 50km) e mais um corredor dos 30km vindo no sentido contrário. Eles também haviam feito mais de uma vez o mesmo trecho.

Achamos o caminho correto e seguimos adiante... apenas para nos depararmos mais uma vez com uma encruzilhada sem marcações.

Nesse momento, resolvi acessar um mapa do percurso no meu GPS e acabei zerando a atividade e reiniciando o cronômetro sem querer. Isso significa que dali pra frente eu já não sabia mais quanto tempo fazia que eu estava correndo e quantos quilômetros tinha corrido até ali.

Decidi encarar isso como um ponto positivo, como uma forma de não ter que pensar no quanto eu já tinha corrido e quanto ainda faltaria correr.

A Priscila começou a puxar o ritmo e eu me esforcei para acompanhá-la, já que até então eu estava em modo de controle de danos, sem querer forçar o corpo.

Depois de mais uma porteira ela disse para eu seguir adiante e assim o fiz, seguindo praticamente sozinho até o terceiro PC, onde tomei mais 2 copos de isotônico e fui informado de que os 50km seguiriam por uma pequena trilha enquanto os 30km acessariam a estrada a partir dali.

Será que eu estava bem?






Fiz uma pequena avaliação do meu estado e decidi que valia a pena continuar no percurso dos 50km. As dores continuavam marcantes, mas não haviam piorado. Segui na curta trilha e atingi a estrada que leva ao Vale do Matutu.




Eu já conhecia essa estrada e sabia que o percurso seguiria por ela por mais uns 6 ou 7km antes de tomar uma nova trilha (fiz um "reconhecimento" do percurso comparando o mapa da organização e o google maps na semana anterior à prova), então segui adiante mesmo sem encontrar uma seta indicando a direção. Interessante notar que eu havia ido ao Vale do Matutu no dia anterior e a seta estava lá. Ela certamente foi retirada do local por algum "espírito de porco".

Dali pra frente eu tinha duas motivações: I - prometi que quando chegasse ao Matutu eu iria me premiar pelo meu bom comportamento; II - eu estava na expectativa de encontrar a Pretinha, uma cadelinha que mora por ali e foi minha "guia" para o Pico do Papagaio em fevereiro.

Será que eu estava feliz e de bom humor??

É muita alegria, cara!
Infelizmente a Pretinha não estava no camping quando passei por lá - mas antes de eu voltar pra SP ela ainda daria um jeito de me dar 'Oi'... se você gosta de cachorros, depois me pergunte sobre isso que eu conto pessoalmente.





Comecei a ver o morro Cabeça de Leão no horizonte e menti para mim mesmo dizendo que ele me dava forças, que quanto mais perto eu chegasse dele, mais forte eu ficaria... Se meu corpo estava fraco, minha cabeça nunca esteve tão forte! Eu inventava um jogo mental atrás do outro para não perder a motivação e seguia em frente. Cantarolando em voz alta músicas inventadas na hora ou gritando a plenos pulmões "Siga em frente, olhe para o lado, se liga no mestiço na batida do cavaco"!



Cabeça do Leão no horizonte
Antes de chegar ao Matutu e ao último trecho de trilha do percurso era necessário encarar uma bela subida. Uma subida que eu já fiz várias vezes de carro e acho sofrida mesmo dentro do carro!



As fotos enganam, mas é uma senhora subida. Mais uma vez me convenci a não passear na subida, mas sim a adotar um ritmo de trekking forte, para colocar mais horas no banco.

Ao fim da subida eu estava cansado... bem cansado... e então um cachorro que estava seguindo um outro corredor de amarelo láááá na frente parou, olhou para mim e resolveu me esperar.




Quando cheguei perto dele ele apertou o passo e se encarregou de ser meu pacer por um ou dois quilômetros! Quando ele percebeu que eu estava bem de novo, disparou e foi ao encontro do corredor de amarelo, que estava a uns 500m de mim.

Chegando às portas do Matutu, como prometido, dei-me um prêmio:



Estava quente e chocha, mas era o néctar dos Deuses!

Entrei na trilha com destino à Cabeça do Leão e Cangalha porque havia estudado o percurso, mas não havia qualquer marcação ali - além de uma sacolinha plástica que o corredor de amarelo havia amarrado numa cerca.

Nessa trilha acabei cruzando com um grupo a cavalo, puxei papo e uma das crianças disse "você é o sétimo!".

Não botei muita fé e, pra ser sincero, não estava muito preocupado com isso. Considerando todo o drama dos meses anteriores, tudo o que eu queria era terminar a prova. Meu único concorrente era o Gabriel... e vou te falar que esse Gabriel é casca grossa, então eu não tinha porque me preocupar com posições e afins.

Na bifurcação entre Cabeça do Leão e Cangalha eu estava pronto para desbravar o último trecho de trilha da prova, estava animado, cantando e saltando, mas a perna começou a ratear.




Parei num canto da trilha, abracei uma árvore e fiz alguns alongamentos e o incômodo diminuiu. Não consegui descer muito bem esse trecho, apesar de ser tecnicamente bem fácil, pois a banda iliotibial na perna direita estava bem tensa de tanta sobrecarga para compensar a perna esquerda.



Finda a trilha, ao entrar na estrada que vai de Alagoa para Aiuruoca, parei para um novo alongamento e para um novo prêmio: um pão de queijo que eu havia surrupiado da pousada pensando especificamente nessa estrada. Estava duro por fora, 'borrachento' por dentro e quase sem gosto, mas estava uma delícia!!! Deveria ter surrupiado mais uns 3! rs

Segui correndo, cada vez com menos vigor, mas sempre em movimento.

Não sabia exatamente quanto tempo havia se passado desde a largada, mas reparei que não tinha parado para fazer um xixizinho camarada nenhuma vez. Não estava com vontade, mas resolvi tentar. Tudo ok, coloração ok, volume ok. Ótimo, não estava desidratado.

O xixi me deu um novo ânimo, aproveitei para colocar um fone no ouvido para ouvir umas musiquinhas - nem lembrava mais da última vez que ouvi música para correr!!! - e lá fui eu.



Depois de tanto tempo enxergando o corredor de amarelo sempre distante de mim, finalmente consegui encostar nele enquanto ele comia batata doce.

Ele me ofereceu, nos apresentamos (Grande Carlos!) conversamos um pouco sobre onde deveria estar o próximo PC, sobre o fato de nós dois estarmos estreando nos 50km e etc., e segui adiante.

Poucos metros depois encontrei o que, pelos meus cálculos, era o penúltimo PC, na altura do km 35, onde um outro corredor se preparava para sair.
Parei, esperei prepararem a mistura de isotônico, tomei dois copos, abasteci minha garrafa flexível de 500ml de água, agradeci ao pessoal do staff e saí, enquanto o Carlos comia uma fruta.

Algumas centenas de metros adiante as dores se intensificaram e fiz algo que achei que jamais faria... apelei para um advil. Não acho certo mascarar a dor comum da prova com remédios e também considero isso muito arriscado, uma vez que os rins já estão trabalhando com sobrecarga por causa do longo período de atividade física. Só tomei mesmo porque sabia que estava bem hidratado e porque as dores que eu sentia não eram de pura e simples fadiga muscular. Mas quero deixar claro que não recomendo isso para ninguém. O risco de algum problema renal é alto se você associar ibuprofeno com um quadro de desidratação.

Mais umas centenas de metros e percebi que meus pés estavam bem irritados. Por experiência eu sabia que não eram bolhas, mas sabia também que se não fizesse nada aí sim as bolhas iriam surgir.

Achei uma pedra na beira da estrada, tirei a mochila, peguei meu kit de primeiros socorros e tentei remediar a situação.

A porcaria do curativo hidrocoloide que custa 7 pilas por unidade simplesmente não grudava! Fiquei um tempão ali tentando colocar a bagaça e nada... O Carlos passou por mim, ofereceu ajuda, mas disse que estava tudo bem e ele seguiu em frente.

Desisti do hidrocoloide, peguei um band-aid metido a besta (que também não foi barato) e ele grudou mal e porcamente.
Eu bem que tentei, mas não deu pra arrumar o negócio, então lá fui eu assim mesmo.

A cada passada eu sentia as bolhas se formando. Comecei a mudar a forma de pisar e as unhas começaram a incomodar, depois foram os tendões de Aquiles, e lá fui eu tentando me adaptar a cada uma dessas novas situações, a cada um desses novos problemas.

A soma do bode induzido por estradão + pés avariados + cansaço acumulado me deixou em modo de economia de energia, então passei a alternar trote e caminhada com bastante frequência. Bastava avistar uma leve elevação e eu começava a caminhar. Mas se a subida fosse um pouco mais marcante, engatava logo um trekking forte para chegar ao trecho plano e tentar trotar.

E nesse ritmo de trota e anda encontrei um ponto de ônibus, que marcava a união dos percursos de 30 e 50km, significando que restavam 8 ou 9 quilômetros até o final. Se isso não fosse motivo para ficar alegre, o fato de terem colocado ali um PC que eu não sabia que existia era mais do que suficiente! Quase abracei a staff!!! rsrs

Tomei um copo d'água e parti feliz, com a informação de que faltavam 7km para a cidade e de que ainda existia um PC dali a 3,5km.

Encarei mais uma subidinha, sempre usando meu bastão - os braços já estavam pesados e doloridos, de tanta força que fiz com o bastão - e avistei a Estalagem Mirante, sinalizando uma descida bem forte, de aproximadamente 1km de extensão.
Pra ajudar, a música que começou a tocar no fone tinha uma batida bem agressiva, então desci aquilo rasgando (foi meu quilômetro mais rápido em toda a prova). Nem lembrava mais de dor nas pernas, unhas, bolhas e o escambal.

No último PC, tomei mais um gole d'água, tive a confirmação de que faltavam 3km para a chegada e surgiu uma subida que eu não estava esperando, mas que foi até boa pra variar um pouco o estímulo.

Enfim, acabada a subida, ingressei no perímetro urbano da cidade, em paralelepípedo, e fui informado de que era só contornar a igreja e a praça com a linha de chegada já estaria visível. Fiz a curva na igreja e a galera começou a apitar para me recepcionar - como fizeram com cada um dos corredores que foram completando a prova ao longo do dia e noite adentro!

Que demais! Que energia!
Vi a Karol - que já havia terminado seus 30km em 5º lugar geral feminino - correndo para me fotografar!




Aqueles 50km eram meus, apesar de todos os percalços!
Fiquei feliz demais - e estou assim até agora!

Outra coisa que me deixou feliz: A Cris chegou 20min depois de mim! A menina está correndo muito, minha gente! Eu jurava que ela iria me ultrapassar no percurso. Já havia até conversado com ela sobre isso ao longo da semana ("quando você me encontrar, pode passar de boa e seguir seu caminho, não precisa ficar do meu lado ouvindo minhas lamúrias" rs). Não me passou, mas foi por pouco... 20min em 50km não é nada! Menos de 30 segundos por quilômetro! Tem noção? rs




Sobre correr 50km pela primeira vez:
Assim como eu já havia provado antes, quando fiz minha primeira meia maratona sem ter conseguido treinar mais de 12km, é possível correr 50km sem treino.
Contudo, não recomendo! O cansaço e muitas dores musculares durante e após a prova poderiam ter sido poupadas se eu tivesse treinado corretamente (não que eu tivesse essa opção).  Sobre a questão da recuperação pós prova, vale a pena ver esse curto vídeo.

Fora isso, acredito que foram duas as chaves do meu sucesso nessa prova (e sim, eu considero que foi um sucesso, pois eu não estava preparado para correr nem 5km na semana anterior, imagine 50km pela primeira vez!):
1 - Motivação. Vou te falar que a minha cabeça nunca esteve tão bem quanto nessa prova. Não lembro de ter sido tão positivo e alto astral por tanto tempo seguido como consegui me manter nessa prova. E se seu corpo não está 100%, só uma cabeça 100% focada e feliz pode te levar até a linha de chegada - na minha opinião, claro!
2 - Preparo. Como assim preparo, Gabriel?! Você não acabou de dizer que não correu praticamente nada nos últimos 3 meses? Como você tem a pachorra de vir aqui falar na minha cara que estava preparado?! Calma! Não é esse tipo de preparo. O preparo a que me refiro aqui é outro. É o preparo que fui criando ao longo dos anos. Vejam bem.... eu sonho com corridas de longas distâncias desde 2013, e desde essa época eu dedico parte considerável do meu tempo para estudar sobre o assunto, para ler relatos de outros corredores, para ver o que deu certo e o que deu errado para eles, para ler livros sobre o tema e para testar o que funciona e o que não funciona comigo.
Novamente é apenas minha opinião, mas creio que correr longas distâncias é, em essência, a arte de gerenciar desconfortos para evitar que estes se tornem problemas. A questão é que você só vai saber qual desconforto pode gerar problema - ou só vai saber como gerenciar cada um dos desconfortos - através da própria experiência. Por isso me recuso a pular etapas. Por isso demorei tanto tempo para correr a primeira meia, a primeira maratona, a primeira ultra-mirim.
Eu não ligo para resultados e performance, mas eu ligo para uma coisa: terminar a prova feliz, realizado e sabendo que fiz o meu melhor - e fazer o meu melhor envolve cometer o menor número de erros bobos possíveis! rs

Por fim, obrigado Paola, Fernando, Newton e toda a equipe Ultra Runner Eventos. Linda prova!


Os frutos colhidos pelo SeElaCorreEuCorro Trail Team 

E como forma de agradecer a você que continuou firme e forte aqui até o final, apesar das 437 selfies parecidas, segue uma foto do meu dedão 4 dias após a prova:

Tá vendo? As 300 selfies nem estavam tão ruins rs
E uma do dedão no quinto dia e após passar 10h dentro de um sapato social:


E uma de duas semanas após a prova:




Obrigado, de nada!

6 comentários:

Unknown disse...

... relato sensacional, adorei a dica de prova, não que vem estarei lá e se tudo der certo num percurso maior...

Gabriel C. disse...

Valeu, Taty!
E obrigado também pela companhia! Até a próxima!!

trotamorro disse...

Parabéns !!!! A casca deu mais uma engrossada !!!!

Gabriel C. disse...

Haha verdade, Max. Depois que as feridas cicatrizarem, a pele estará mais grossa! rs
Abraço

Carolina Belo disse...

Oi Gabriel! Achei ótimo o seu "pequeno" relato sobre essa prova! Ela já estava na minha lista e, agora, mais ainda! São lugares que eu não conheço ainda...
Entretanto, a frase que mais me marcou estava logo no início e foi "a vida é mutcho loka e não tá nem aí pras suas planilhas de Excel coloridinhas". Tenho vivenciado isso ultimamente e estou contando com a base acumulada dos treinos anteriores para os próximos desafios que virão, já que não está dando para treinar do jeito que as "cores da planilha" mandam!!! Eita vidaaaaaa... Mas vai melhorar...

Bons treinos e parabéns para toda a equipe "Se ela corre, eu corro trail"

Carolina

Blog Viajar correndo

Gabriel C. disse...

Oi, Carol! Obrigado por aguentar o relato até o final! hahaha
Se o relato for crescendo conforme a distância das provas, não quero nem ver a enciclopédia que vai sair quando fizer uma prova de 100 milhas em 2020! rsrs
Talvez esse seja o tempero da vida, né... a gente faz os planos e a vida muda tudo. O importante é não perder o foco e nem desanimar!
Com certeza a base de provas e treinos anteriores é o que nos leva até o final numa situação dessas. Força e melhoras!
Gabriel