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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Relato: K21 Serra do Japi - Welcome to the sufferfest

Bora lá para mais um relato de prova no mês de novembro (é o terceiro já!)!

Em 2013, depois de "pegar" uma canelite morfética dos infernos (que me acompanhou por praticamente um ano e meio) em razão de ter encavalado prova atrás de prova por meses a fio, havia prometido a mim mesmo que não voltaria a cometer esse erro.
Mas aí a gente melhora, para de sentir dor, vê os amiguinhos correndo provas e mais provas, se empolga e, quando vai ver, já está inscrito para 3 provas em 3 finais de semana seguidos (a terceira prova, no caso, será na semana que vem - 06.12).

A Cris estava com bastante vontade de correr a K21 Serra do Japi desde o ano passado. Eu, por outro lado, queria muito conhecer a Serra do Japi (por ter sido criado nessa região), mas não estava muito animado para a prova em si.
Acabamos fazendo a inscrição, mas a cada semana - quando anunciavam os 1000, depois 1500 e, finalmente, 1600 inscritos - eu ficava mais arrependido da decisão.


Mil e seiscentas pessoas é muita coisa para uma prova em trilha... pelo menos essa é a minha opinião e a opinião de todas as pessoas com quem conversei.

Pra piorar, decidiram que as largadas não seriam separadas por distância (5, 10 e 21km), mas seriam "separadas por pace": no "curral" de largada eles colocaram plaquinhas exemplificando a diferença entre pace de rua e pace de montanha e esperavam que os corredores (principalmente a grande maioria dos inscritos, novatos em provas de montanha) respeitassem a orientação.

Primeiro Ato: Modo Competição Ativado (km 1 a 5)




Eu fui pra área de largada que dizia "Entre 4 e 5min/km na rua = entre 5 e 8min/km na montanha" (seja lá de onde tiraram essa fórmula ou qual a montanha que tomaram por parâmetro), a Cris foi pra baia de trás e quando deu a largada o que mais tinha na minha frente era gente que não deve correr a 6:30 na rua, que dirá na montanha...



Até por causa disso, acabei largando mais forte do que gostaria, para tentar passar o máximo de gente possível antes que o percurso afunilasse. Embora os quilômetros iniciais fossem relativamente largos, ainda assim era muita gente. A sensação era a mesma de correr a São Silvestre - ao invés de correr a sua prova, você tem que se concentrar em achar espaços vazios pra colocar o pé. Péssimo.




Pelos próximos 4,5km eu fiquei passando raiva enquanto ficava preso atrás de filas gigantes de corredores... ficar bravo foi a pior c*gada que eu poderia ter feito.


Olha eu ali no canto esquerdo! 




Parece uma micareta, mas é uma corrida
Ainda não estava completamente recuperado do final de semana anterior, onde corri a maior distância da minha vida até hoje e na maior velocidade... e ficar tentando forçar ritmo e ultrapassagens só para tentar me livrar da fila-da-conga-trilheira-interminável não foi nada prudente.





Cansei rápido demais e em trechos que eu normalmente não tenho dificuldade para superar.





Além disso, por volta do km 5, um pouco antes de os percursos de 10 e 21km serem separados, comecei a sentir bolhas se formando nos meus dois pés. Eu meio que já esperava que isso fosse acontecer, pois estava usando meus Salomon SpeedCross... e sempre que o terreno está seco e eu uso esse tênis eu fico com bolhas (no "congresso técnico" os organizadores disseram que havia chovido bastante na semana anterior à prova, então achei que o percurso estaria enlameado... ledo engano. Santo arrependimento, Batman!).

Esquerda ou direita? Oh, dúvida cruel
Segundo Ato: Modo tasqueopariu-quê-a-foda-eu-to-fazendo-aqui Ativado (Km 5 a 18)

Com o cansaço fora de hora, as filas até então intermináveis e os pés doendo por causa das bolhas antes de eu ter completado 1/4 da prova, a cabeça começou a perambular pelo lado negro da força...
Abandonei por completo o modo competição e fiquei oscilando entre o modo sobrevivência e o modo bode infinito. Iniciou-se o que gosto de chamar de sufferfest!

Bode infinito
Eu estava tão chato que merecia um tapa.
Comi uns quitutes que eu tinha levado, bebi minha água e comecei a caminhar. NO PLANO.
Esse era o nível do bode.


Olha, um trecho plano! Parece ótimo para caminhar!
Andei demais nessa prova.
Nunca andei tanto no plano e nas descidas leves como dessa vez. Mesmo no Mountain Do do Fim do Mundo, onde eu estava meio lesionado, eu andei menos do que na K21.

Para ocupar a cabeça, comecei a recolher o lixo ao longo do caminho (foram sachês de gel sem fim e um copo d'água - que um senhor arremessou ao chão sem o menor pudor na minha frente... até o aplaudi enquanto dizia "parabéns, seu porco, muito bem!", mas o puto estava de fone de ouvido...).

Após algum tempo percebi que eu não poderia recolher todo o lixo que haviam jogado na trilha.
Essa foi a prova MAIS SUJA que eu  já vi na vida. Sabe como a Av. Rio Branco fica depois da São Silvestre? Era esse o estado da trilha em alguns momentos... mesmo a organização espalhando vários sacos de lixo no percurso, a galera jogava tudo no chão mesmo, longe dos sacos de lixo, sem cerimônia.

Enfim, após mais alguns sobe e desce, lá pelo km 6,5 começou uma senhora subida. Daquelas eu eu costumo olhar e dar cambalhotas de alegria (mentalmente, é claro). Mas aquele não era um dia nada costumeiro. Aquela subida me engoliu sem mastigar e cuspiu os ossos! Cheguei ao topo triturado, física e mentalmente. Profundamente arrependido de não ter trazido meus trekking poles.

E então chegou um rapaz (Beto Marques) ao meu lado e puxou assunto, perguntando onde eu iria publicar o vídeo que eu estava gravando com a GoPro. Engatamos num papo e descobrimos que um acompanhava o outro no Instagram!



Grande Beto!


A conversa me deu um pouco mais de ânimo, terminei de subir o morro e então se iniciou uma senhora descida! Muito técnica, boa demais para quem sabe e gosta de descer rápido - e eu não sou uma dessas pessoas, infelizmente (a Cris, por exemplo, desceu aquilo na banguela e sorrindo).

Diretamente na minha frente estava a ultramaratonista Naoko (que já encarou a UTMF algumas vezes) e ela me deu uma verdadeira aula descendo aquele morro! Pés leves e extremamente ligeiros.






Conforme íamos descendo, encontramos uma fila de gente congestionando a trilha. Talvez por medo, talvez por falta de costume, só sei que tinha bastante gente presa na descida.
E o pior, por mais que ela pedisse passagem, os caras não abriam espaço (a Cris reclamou da mesma coisa... ninguém abre passagem nas descidas e menos ainda para mulheres. Até quando?).
Coisa feia de se ver. Esse não é o público que eu costumo encontrar nas provas.

Enfim, em determinado momento ela conseguiu se espremer entre um corredor e um tronco e disparou lá pra baixo - eu continuei preso na fila-da-conga-descendente quase até o final.

Quando a descida terminou, voltamos para um trecho de estradão relativamente plano e minha fadiga pós-endurance se instalou novamente. Além disso, começou a me pesar na consciência o fato de eu precisar me poupar para a prova da semana seguinte. Somando os dois fatores (fadiga da semana anterior + preocupação com a prova da semana seguinte), não sobrava muita vontade de correr.

E aí surgiu o Beto Marques novamente pra me salvar por alguns instantes. Conversamos mais um pouco, sorrimos pro fotógrafo, paramos para pegar água e depois ele seguiu na minha frente e eu voltei para meu estado caprino (bode também é caprino? acho que sim)

Na sequência passei por um senhor que estava correndo os 21km sem qualquer garrafa d'água e lhe ofereci um gole do meu squeeze. Antes disso eu já havia passado por um corredor dos 10km passando mal e sem comida e lhe dei uma das minhas barras de frutas secas. Posteriormente, ainda passei por pelo menos mais um corredor passando mal por falta de comida e lhe ofereci umas amêndoas salgadas (o cara se reergueu do mundo dos mortos na minha frente! rs).
Nem preciso dizer que era a primeira prova de montanha para todos eles e eles estavam correndo sem mochila, pochete, bolsos ou qualquer outra forma de carregar hidratação e alimentação, né?
A Cris também comentou comigo que ajudou pelo menos 3 corredores passando mal, oferecendo-lhes comida e água.
A organização quer tanto colocar 1.600 corredore$ na trilha que nem se importa se a maioria deles está indo para "Fora do A$falto" pela primeira vez e não tem noção de quanto tempo pode demorar entre um posto de apoio e outro... Esse ponto poderia ter sido melhor abordado no manual do atleta.
Só para ter um parâmetro, ao longo dos 21km eu consumi 1,5l d'água e a Cris consumiu 2 litros.

Cris sempre feliz e sorridente!
Seguiu-se um trecho relativamente plano e longo, mas cadê a vontade de correr?! De vez em quando eu saía da minha caminhada (no maior estilo passeio no parque) e tentava encaixar um trotinho curto, só para ver se acabava mais rápido com o martírio. Mas o pique durava pouco tempo.

Vamos lá. Trote só até o cupinzeiro e eu deixo você andar depois.

Terceiro Ato: Modo Fênix Ativado (km 18 até o final)
Não sei o que deu em mim, mas por volta da placa dos 18km eu ganhei um "segundo vento". Ressurgi das cinzas e voltei a sentir prazer em correr (embora as bolhas estivessem mais doloridas do que nunca).
Surgiu uma descida beeemmm técnica em que foram amarradas cordas para auxiliar os corredores. Coloquei minhas luvas e desci rasgando! Divertido bagarái!!! 

A seguir, entrei em um riacho por algumas centenas de metros até uma grande cachoeira. Dava vontade de ficar ali na cachoeira, nadando um pouco e resfriando a cabeça, mas eu tinha acabado de me encontrar na prova e resolvi seguir adiante.








Saindo da cachoeira, cruzei um pequeno trecho de pasto e encontrei o Beto Marques novamente. Ele estava andando e tentei incentivá-lo a seguir trotando comigo até o final da prova. Mas ele disse que havia descido muito forte antes e estava com as pernas destruídas e que era para eu seguir sozinho.

Bolhas, bolhas e mais bolhas
Na sequência, atravessei a pista e entrei num singletrack. Devorei aquele singletrack! A sensação era de que eu tinha acabado de começar a prova!

Vai lá, garoto! Brilha muito no singletrack!


Passei um bocado de gente nesse trecho. Pouco tempo depois cruzei a linha de chegada. Vinte e um quilômetros em 3h07:49 (Classificação: 95º de 360 homens concluintes e 25º de 66 na faixa etária).
A Cris me surpreendeu e chegou com 4h03:45 (66ª de 144 mulheres) - eu estava esperando que ela chegasse com algo entre 4h30-5h de prova!


Conclusão
O percurso é bonito, é um pouco cascudo, mas não é nada de impossível ou excepcional. Uma ou duas subidas fortes e duas descidas técnicas. O resto é uma leve montanha russa entre pasto e estrada de terra.
O meu grande sofrimento (e bota grande nisso) foi causado pela minha fraca recuperação após a prova da semana anterior. Se não fosse o cansaço excessivo desde o início da prova, não teria andado tanto.
Essa foi a prova em que mais andei e a prova onde mais fui ultrapassado (por homens e muitas mulheres) da metade do percurso em diante. Normalmente, largo devagar e vou galgando posições aos poucos - dessa vez foi diferente. Foi minha pior performance em provas em todos os anos que venho correndo. Rendimento fraquíssimo.
Caso eu estivesse recuperado e inteirão, daria para limar 15min do meu tempo, tranquilamente. Se além de recuperado eu estivesse inspirado (faz tempo que isso não acontece rs) acho que conseguiria baixar uns 20min ou mais. Se além de recuperado e inspirado  eu tivesse ganhado na mega sena acumulada, eu nem iria correr.... rsrsrs

Ponto positivo para a organização com relação à marcação do percurso. Foi impecável!
Ponto positivo também para a distribuição dos postos de hidratação, staffs simpáticos e em número suficiente e arena bem estruturada.

Flagrado aproveitando a arena pós prova
Mais um flagra de um momento crucial da competição
A única falha que eu enxergo na organização dessa prova foi querer abraçar o mundo e lotar o evento. Nunca vi uma prova tão cheia, tão suja e com tanta gente despreparada (tanto despreparada fisicamente quanto 'culturalmente'... existe uma cultura no mundo trail que não foi bem observada pela grande parte dos trilheiros de primeira viagem: não deixar vestígios, abrir passagem, ajudar os colegas*, entre outros... bastava ler o manual Trail Running For Dummies que 70% dos problemas seriam evitados! Sério).
Também não lembro de ter visto tantas pessoas com entorse de tornozelo em um só evento como vi na K21 Serra do Japi, mas isso não é culpa da organização né. rs

[* - após a prova, uma amiga comentou que sentiu câimbras fortes, caiu ao chão e ficou ali sozinha por minutos, sendo que corredores e mais corredores passavam por ela, sem nem olhar pro lado, às vezes até mesmo saltando por cima dela! Repito: Esse não é o público que eu costumo encontrar nas provas. Se esse é o "Espírito K Series", estou bem decepcionado]

Para não ser hipócrita, vou reconhecer que houve ao menos um aspecto positivo no fato de a organização ter decidido aceitar 1.600 inscritos: a possibilidade de rever velhos amigos e conhecer pessoalmente muitos "amigos virtuais"! rsrs

Essa prova bateu o recorde de amizades desvirtualizadas! Valeu, Instagram! S2 S2 rsrs

Beto

Ju, Bruno, Renata e Ana

Simone

Lilian, André e Renata
Bruna e Tatiana
Detalhe: a Ju fez parte do meu quarteto na primeira corrida de rua que fiz (2011) 
Agora eu peço licença, pois vou ali deixar as pernas para cima por uma semana. Domingo que vem tem mais!

A gente se tromba nas trilhas! ;-)

2 comentários:

evandrohc disse...

Brother, foi a minha segunda 'trial' (a 1a. tinha sido a dos Romeiros em Pirapora). Até agora estou 'adrenalado'. Espero não ter sido um dos que impactaram negativamente os experientes, mas se o fiz, ainda assim mandei um grito "Coisa de principiante". Ano que vem pretendo fazer novamente. Meu tempo nessa 04h19min! Abraços.
Meu Face: Evandro Cesar - Boituva / SP.

Gabriel C. disse...

Olá, Evandro
Obrigado por ler o relato e comentar! Relaxa, não é o simples fato de ser novato nas trilhas que te faz melhorar ou estragar a experiência da prova para os demais (todo mundo tem que começar do zero um dia e ninguém nasce sabendo, né? rs). Minha "bronca" é mais com o fato de a organização não ter orientado toda essa turma nova nas montanhas e explicado como as coisas funcionam.
Com duas provas boas nas costas (Romeiros e Japi) você mesmo já é capaz de perceber as grandes diferenças entre o comportamento dos corredores de asfalto e de trilha, não é mesmo? No asfalto o pensamento é meio de "cada um por si e alguém vai recolher o meu lixo". Nas provas trail o pensamento é mais para "unidos venceremos/uma mão lava a outra/me ajuda e eu te ajudo".
E parabéns pelo tempo! Tempo muito bom!
Abraço,
Gabriel