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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Relato: Apoteose na Sapucaí - Corridas de Montanha São Bento do Sapucaí

Apoteose? Sapucaí?


Palma, palma, não priemos cânico! 
Apesar de o texto conter as palavras "apoteose", "Sapucaí" e de eu ter sapateado mais que mestre-sala na lama, não estou aqui pra falar de samba!
Apoteose, em uma de suas definições, corresponde ao ponto final de uma cena que decorre de maneira espetacular... algo um pouco mais dramático, inesperado e espetacular que o final de uma novela mexicana. Explicado o título, voltemos à nossa programação normal:

Cenário
São Bento do Sapucaí, ensopada e imersa nas brumas! A neblina era tanta, que parecia que estávamos no filme "Os Outros". Em alguns momentos, não era possível ver o corredor que estava 10 metros à nossa frente! Além da chuva que caiu em SP ao longo da semana, choveu praticamente o final de semana inteiro em São Bento. Resumindo o cenário: lama, muita lama, bastante lama mesmo, neblina e mais um pouquinho de lama.



Lama.
Enredo
Como vocês devem se lembrar, há algum tempo venho sofrendo de canelite (que, talvez nem seja canelite... vamos aguardar os resultados dos exames). Para me recuperar, resolvi ficar um tempinho sem correr e, desde a Etapa Serra da Cantareira, não corri nem atrás de ônibus, por medo de me machucar ainda mais... Deixei inclusive de correr uma prova para a qual havia feito inscrição.
Maaaasss, São Bento do Sapucaí era a última etapa da Copa Paulista de Corridas de Montanha, e eu queria fazer bonito na pontuação para o Ranking anual. 
Na verdade, a pontuação no ranking nunca foi uma pretensão minha. Tanto foi assim, que nas primeiras etapas eu perdia bastante tempo "panguando" e apreciando a paisagem...rsrs... Acontece que ao longo das provas, criamos um círculo de amizades que contava com 2 pessoas da minha categoria (Gustavo e Willian). E seria muito bacana se conseguíssemos encerrar o ano os três juntos no pódio!
Só que essa missão não seria tão simples. Na pontuação para o ranking, feito o descarte de provas e a matemática toda do regulamento, descobri que se eu quisesse subir ao pódio com meus amigos na premiação do Ranking anual na faixa etária 25-29 anos, teria que concluir essa prova no mínimo 2 min à frente de determinado corredor.
Não bastasse a complexidade da prova, eu teria de lidar com o fato de que havia praticamente um mês que eu não corria (zero condicionamento!) e com minhas dores (além da preocupação com as consequências de correr machucado e agravar a lesão). Some a isso o fator psicológico de ter de correr dependendo não apenas do meu resultado, mas também do resultado do meu concorrente, e você terá uma ideia da bucha que me aguardava.

Na semana da prova fui a um ortopedista que disse existir suspeita de fratura por estresse na tíbia. Tremendo balde de água fria, não? Após essa consulta, ficava oscilando entre correr a prova mesmo assim ou deixar pra lá... 
Quando publicaram a lista de inscritos para a prova, na véspera do evento, corri pra ver se minha nêmesis constava da relação (rs) e fiquei feliz ao constatar que aquele nome não estava na lista, pois assim eu poderia deixar de correr e ainda assim garantir a 'premiação'.

Por via das dúvidas, no sábado à tarde me dirigi até o local da prova devidamente trajado e preparado para correr, afinal, imprevistos acontecem. Eis que, a 2 minutos da largada o Willian grita meu nome e faz um aceno de cabeça na direção do murinho lateral, na concentração para a largada. É... não ia ter jeito, o cara estava lá, e eu teria de correr. Mal deu tempo de digerir a ideia e soou a buzina!
Coração na boca e lá fomos nós!
Fóóóóóóóómmmmm (buzina)

Nos primeiros 300m, em paralelepípedo e bloquete, cada passo era uma pequena punhalada nas pernas... tentei acompanhar o grupinho (15/20 pessoas) que estava liderando, mas fiquei com medo de a dor piorar a ponto de eu não conseguir mais correr. Por sorte, logo em seguida começou A subida. Sim, com "a" maiúsculo. Foram aproximadamente 5km subindo sem parar, escorregando muito, andando muito, ofegando muito e vendo pouco, já que a chuva e a neblina diminuíam a visibilidade.
Como eu não sentia dor para andar, engatei a reduzida e avancei aos trancos e barrancos, sem parar pra respirar. Quando surgia um espacinho onde dava pra encaixar 3 ou 4 passos mais rápidos, eu trotava. Tentei ganhar o máximo de terreno possível durante a subida, pois sabia que na descida eu não teria condições de correr forte. Não ousei olhar para trás nenhuma vez.


Caminhe que o mundo é grande... (o tênis, ainda limpo)

Finda a aparentemente infindável subida, seguiu-se um curto e igualmente escorregadio single track e continuei forçando além do que costumo fazer e muito além do que minhas canelas gostariam. Eu tinha certeza que, chegando a descida, qualquer diferença que eu tivesse aberto durante a subida seria prontamente diminuída.

Mais neblina, uma porteira de fazenda, um pequeno atoleiro e... uma estranha sensação de vácuo. 'Silêncio ensurdecedor', visibilidade de não mais que 5m. O corredor que eu estava usando como ponto de referência simplesmente sumiu do meu campo de visão. 
E assim deu-se início a um tobogã de lama e esterco que nos levaria até os 500m finais da prova. Isso mesmo, praticamente 6km esquiando, sambando, sapateando ou qualquer outra coisa que não correndo, ladeira abaixo. 


Essa era a parte "seca" da prova

Mais ou menos nessa altura, cruzamos caminho com o pessoal do percurso curto. Festival de tombos! Uns caíam de frente, outros de lado, outros caíam sentados, e segue o jogo! rs



Consegui me segurar em pé o tempo todo, mas haja propriocepção, viu!




Novamente, tive sorte. Se a ladeira não estivesse tão escorregadia e lamacenta, a descida seria muito rápida e o impacto seria além do que eu poderia suportar.

Tá acabando!

Quilômetro final, terreno plano e pavimentado, era hora de dar o sangue, partir pro tudo ou nada, aumentar o ritmo. Acontece que eu já estava dando o sangue desde a largada. Quando a buzina soou, eu já havia partido para o tudo ou nada. E com um mês sem treinar, meu corpo (cardiorrespiratório, pernas, lombar, ombros) estava sofrendo muito para me levar onde minha cabeça queria. Tentei dar um tiro e não consegui manter o ritmo nem por 100m.
Coloquei na minha cabeça que eu estava sendo caçado e que, se eu tinha me forçado até ali, não podia jogar todo aquele esforço no lixo justo no finalzinho da prova. Comecei a encaixar uns 10 passos de "bonito" (correndo com técnica e mantendo a postura, como me ensinaram na JVM) com 5 passos de zigue-zague-acho-que-esse-cara-vai-desmaiar (como aprendi sozinho naquela hora) e assim segui até a linha de chegada, onde fui recepcionado pela staff mais simpática do mundo, com o copo d'água mais gostoso que me lembro de ter tomado!

Reencenando minha chegada, para a Lígia poder fotografar! rs

A minha parte estava feita. Agora era só esperar o cronômetro girar mais longos 120 segundos para saber se aquele lugar no ranking seria ou não meu no final do dia.
30s, e nada... 60s, não, não é ele... 90s... ufa, achei que era o cara... 120s, é isso mesmo, já deu o tempo? Vou continuar aqui... 180s... nada ainda, mas vamos esperar mais um pouco... 240s... ok acho que agora posso comemorar! \o/
Outra alegria eu senti quando meus parceiros Willian e Gustavo cruzaram a linha de chegada, quase juntos! Comemoramos bastante o término do campeonato! Nossas pernas estavam pedindo descanso há muito tempo! rs

Acabooooouuuuuuuu!!!!!!!!

Só faltava aguardar a Cris chegar sã e salva e tudo estaria certo! 

Uns 50min depois e lá estava ela, toda sorridente!
Depois disso, era só cada um se limpar como era possível (deixar a chuva fazer o serviço, usar uma mangueira ou se lavar nas poças d'água), aguardar a premiação da prova e partir pro restaurante Sabor da Serra para a cerimônia de encerramento da Copa Paulista e a premiação do ranking - muito boa, por sinal, mas isso fica pra outro post. ;-)



Evolução: 5km de subida extremamente íngreme e totalmente escorregadia, com ganho de elevação de 800m (!!!) +/- 1km de plano e/ou leve declive, +/- 500m de subida leve e 6km de descida esquiando na lama. 
Percurso  (sem altimetria) de  São Bento do Sapucaí

Que prova dura!! Só para servir de parâmetro, com mais de 3h de prova, ainda era possível ver corredores chegando (inclusive do percurso curto!!!). Não consigo nem imaginar como foi para os guerreiros do endurance, que encararam 50km naquelas condições! Sem contar quem correu os 50km e, não contente, ainda participou dos 13km/9km!
Creio que foi a prova mais dura que já corri. E com certeza a prova em que mais me superei. 
Nos primeiros 6km, fiz uma média de 10min/km! Pura caminhada!
Apesar de todas as recomendações serem no sentido de poupar energia no começo para descontar no final, tive de me adaptar à situação e às minhas características mais fortes e forçar do começo ao fim. Se não tivesse feito isso, não teria conseguido o 23º geral/ 2º na faixa etária/ 3º no ranking!


Deixar de comparecer à premiação NÃO agrega valor ao espírito esportivo. rs

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