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segunda-feira, 3 de junho de 2019

Do outro lado do pórtico - Ultra Trail & Vertical Challenge Pedra Grande Trail Runners

Correr uma prova é, logicamente, algo cansativo e recompensador. Mas não pense, nem por um minuto, que trabalhar em uma prova é menos cansativo ou menos recompensador.


Estar no batente, em pé, exposto ao tempo, sem tempo para comer ou ir ao banheiro desde antes do primeiro corredor aparecer para o check in até o último corredor cruzar a linha de chegada; dando a cara à tapa; sendo "o chato" que exige que o regulamento seja cumprido; tendo que explicar ao corredor (seja ele novato ou macaco véio) que existe uma razão para a organização exigir cada um dos itens considerados como obrigatórios; percebendo que tem corredor (às vezes até mesmo pessoas que você já conhece) te achando com cara de bobo e tentando burlar o sistema (sistema esse que foi criado pensando única e exclusivamente na própria segurança do atleta); tendo que desclassificar gente que se livrou dos equipamentos obrigatórios logo após o check in; vendo o olhar de tristeza e frustração do corredor que não atingiu seus objetivos por algum motivo... Certamente não ganhei o prêmio de Staff mais divertido da prova.




(Créditos: Wladimir Togumi e Rodrigo Rivelino)

Fiquei na linha de frente das 6h da manhã até após às 19h30 (os últimos corredores chegaram com um minuto para o tempo de corte!), praticamente em jejum intermitente, pois não havia tempo a perder e a responsabilidade sobre os ombros era imensa. Afinal, ninguém quer ser o responsável pela frustração alheia. Sendo corredor, eu sei o que cada um investiu em tempo, suor e privações para chegar até ali. Essa é a parte dura e cansativa.


Mas também existe a parte recompensadora, que é ser a primeira pessoa a cumprimentar cada Finisher. É receber o abraço sincero e transbordando de felicidade, com lágrimas nos olhos, daquela pessoa que largou com dúvidas sobre sua capacidade, sofreu bastante durante a prova, mas não deixou a peteca cair e, ao final, concluiu seu objetivo e saiu se sentindo mais forte!

É receber de braços abertos tanto os amigos de longa data quanto os desconhecidos e poder dar os parabéns do fundo do peito, pois você sabe exatamente qual é a sensação de cruzar a linha de chegada após uma prova dura.

Estar do outro lado do pórtico de largada/chegada de uma prova é também influenciar na realização dos sonhos dos outros. É colaborar na realização do sonho do corredor que está concluindo sua primeira prova de 6, 14, 30 ou 50km. Ou do corredor que pegou seu primeiro troféu na categoria ou sua primeira premiação geral. E, não menos importante, é saber que você teve uma pequena contribuição na realização do sonho do organizador da prova, que certamente perdeu noites de sono, alguns quilos e fios de cabelo (rs) e teve coragem (e não se deixe enganar, é preciso ter muita coragem) de transformar em realidade algo que estava idealizado há muito tempo. Participar de tudo isso é muito gratificante.

Mesmo quando a prova termina e o último corredor já está de roupa limpa e quentinha, dentro de seu carro a caminho de casa, o trabalho não termina. Nesse momento começa a parte didática da experiência. É hora de registrar os acertos e assimilar os erros para poder aprender com tudo e melhorar o evento para a próxima edição. Embora ninguém seja perfeito, isso não nos impede de querer trabalhar sempre em busca da perfeição, em busca da excelência. 

Por falar em "parte didática", foi legal ver os próprios corredores aprendendo humildemente com  seus "erros". Por exemplo, diversos corredores contestaram a exigência de jaqueta e gorro antes da largada e, ao fim da prova, fui abordado por alguns deles dizendo, basicamente, "lembrei exatamente do que você disse sobre a jaqueta e o gorro... precisei dar um tempo lá no alto e esfriou bastante. Sorte que levei o material". O legal disso é que, numa próxima edição, ao invés de reclamar dos equipamentos obrigatórios, o próprio corredor saberá da importância de carregar não só o que foi exigido, mas também os equipamentos apropriados (uma jaqueta que efetivamente segure sua temperatura corporal; uma lanterna que realmente ilumine a trilha; um celular com bateria para você poder avisar seus familiares e a organização que você desistiu da prova e foi direto pro hotel - ao invés de deixar todo mundo preocupado e tentando te localizar na trilha...).


Enfim, já havia sido staff em provas e em treinos antes, mas nunca havia sido tão intenso, árduo e, ao mesmo tempo, gratificante.
Recomendo a todos os corredores a experiência de atuar do outro lado do pórtico de largada/chegada de uma prova. É uma experiência muito enriquecedora e vai mudar completamente a forma como você enxerga as provas e as decisões das organizações no futuro.

Uma pequena parte da equipe - mas o show ainda estava longe de acabar

Nos vemos nas trilhas! ;-)

2 comentários:

Ricardo Rodrigues disse...

Olá Gabriel,
Sou organizador de eventos esportivos e também atleta amador. Estive também na torcida da minha esposa, Juliana Mansano da Silva, participante dos 50k neste fim de semana. Seu relato é muito enriquecedor para as pessoas que nunca estiveram "Do outro lado do pórtico". Fantástico!! Aproveito para agradecer ao Arthur e a todos os staffs pelo empenho e dedicação!

Grande Abraço e nosa vemos nas trilhas!!

Ricardo Rodrigues

Gabriel C. disse...

Olá, Ricardo
Muito obrigado pelo comentário. E parabéns pela coragem de empreender nessa área. Para quem está do lado de fora a impressão é de que tudo é festa. Quem está nos bastidores sabe bem como as decisões precisam ser tomadas de forma ponderada e responsável para não prejudicar a experiência dos atletas.
Abraço!