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terça-feira, 6 de junho de 2017

Relato da Cris: Short Mision Brasil - Passa Quatro - Por ELA

Em janeiro deste ano, Gabriel deu uma pesquisada em provas bacanudas e me veio com a grande surpresa: Vamos fazer a Short Mision, 55km em Passa Quatro?

Olha o naipe do negócio!! 😮 

Piamente respondi que ele era louco, que eu não conseguia fazer tudo isso, que 16 horas era pouco pra 55km na Serra Fina (até porque minha única experiência na Serra Fina foi a KTR 16km em 2015 e eu levei bastante tempo pra concluir!) e então ele disse assim: Eu vou colocar as duas distâncias no app de sorteio do celular, e aí ele vai dizer qual km você vai fazer.
Sorteou DUAS vezes e nas duas saiu a mesma distância: 55km.
O sorteio foi meio que na brincadeira, mas no dia seguinte, 4 meses antes da prova, a inscrição estava feita e paga!
E então foi dada a largada para os treinos!!



Depois dos 50km de Aiuruoca (outubro/2016), diminuímos bastante o volume de treinos, mas continuava comendo nível ogro, então de novembro em diante, passei a regrar mais minha alimentação, literalmente comendo menos! Só que com o novo ritmo começando, os treinos não estavam rendendo nada. Até que, finalmente, eu percebi que precisava me alimentar melhor, e então a coisa foi fluindo.
Só que eu estava com um outro problema aí: o meu psicológico não andava nada bom.

Estávamos treinando direto com o Bonde e fazia tempo que não encarava uma prova. A galera estava ficando forte e eu só percebia que ia ficando pra trás, fechando a fila e literalmente estava perdendo o bonde!! Isso só piorava minha cabeça. Me mostrava a cada treino que o Short Mision era coisa de gente grande e que eu não estava preparada pra isso.
Nos treinos em que as subidas eram mais fortes, só passava pela minha cabeça: 16 horas é pouco, 55km é muito e isso aqui não chega nem aos pés da Serra Fina...

Então fechamos a travessia da Serra Fina com o Pega Mochila e Vem.
Como passarinho que dorme com morcego acorda de ponta cabeça, o grupo era forte e eu novamente fechei a trilha.

14h40 de travessia completa! 😮

Duas semanas depois tivemos a prova Naventura Canion Guartelaum treino de luxo com direito a trilha, Canion e estrada, mas, como lesada que sou, após 4h de atividade, me lembrei que não havia comido e lá se foi meu rendimento... rsrs

Até duas semanas antes da prova eu não tinha certeza se faria Short ou o Mini Short!
Na semana véspera da prova, estava com a mala quase toda pronta ainda na quarta feira, sendo que faço a mala de véspera! rs. Eu não poderia me esquecer de nada, de nenhum item obrigatório e outros itens necessários. Sem contar que checava a previsão do tempo para a Pedra da Mina umas 3x por dia, até porque a previsão não estava nada otimista: MUITA chuva no cume na noite de sábado para domingo.
Mesmo em época de estiagem e de temporada de montanha, a previsão estava tentando nos dizer algo...

Nos planejamos para sair do trabalho mais cedo e chegar lá a tempo de participar do congresso técnico. Choveu muito em SP na sexta feira e acabamos chegando lá quando o congresso já tinha terminado.
Apresentamos nossos itens obrigatórios, retiramos nossos kits e cumprimentamos os amigos, reclamamos bastante um pouco sobre a alteração do percurso, mas a distância e o desnível positivo continuavam quase os mesmos do percurso original. Ou seja, 53km com aproximadamente 3.000m D+.
Se é para o bem da montanha e segurança dos atletas, quem somos nós para discordar!
A "vantagem" da alteração do percurso é que a minha imensa apreensão e cagaço foram ficando pra trás! O clima entre os amigos era de um treinão, só que noturno! No sábado assistimos a largada dos 30km, ficamos na praça socializando e então começamos os preparativos para a grande noite!!

Largada do Mini Short Mision




Consegui almoçar super bem (sim, eu preciso de combustível!!) num PF honestíssimo e delicioso próximo à largada. Consegui dormir bem por umas 3 horas durante a tarde e aí então chegou a hora do vâmo-vê.
Mochila mais pesada da vida pronta e tudo pronto. Hora de encarar o rolê noturno!

A entrada para a baia da largada estava bem organizada. Todos tiveram seus números anotados e foi feita chamada dos números que não se apresentaram. Era preciso saber exatamente quantas pessoas estavam largando.
Pausa pra fotos aqui, abraços nozamigos ali, a contagem regressiva começou, deu um nervosinho e foi dada a largada!




Equipe do Hostel Carioca
Todos deviam seguir o carro-madrinha até que atravessássemos a rodovia e então cada um seguia no seu ritmo. Fomos juntos eu, Gabriel e Diego até o comecinho da estrada após cruzada a rodovia.
Logo os perdi de vista, liguei a lâmpada no nível mais baixo enquanto tinha gente em volta e fui subindo. Já tinha desligado previamente os avisos sonoros do relógio e só queria mesmo ver o tempo decorrido pra me alimentar direitinho. Logo a estrada ficou bem íngreme e já saquei os bastões. Neste momento eu já estava cozinhando! O capacete estava aquecendo tanto a cabeça que o suor escorria na testa! A blusa de manga comprida segunda pele parecia um forno, mas nem cogitei tirar, afinal lá em cima com certeza estaria mais frio!
Foram uns 8km de subida e chegando na Casa de Pedra o staff anotava o número de cada um (havia um ponto de água e um aglomerado de gente pra essa biquinha (já??)) e aí começava a trilha. Só subida, escorregadia como a subida do Capim Amarelo. Dali dava pra ver toda a cidade de Passa Quatro iluminada, linda! Fiquei pensando se as pessoas lá embaixo conseguiam ver o monte de lâmpadazinhas se movendo...

Atingido o cume do Campo do Muro, uma neblina se formava, ficava apenas alguns segundos sem enxergar os pontos refletivos, mas estava muito bem marcado, logo avistava e seguia a trilha, então começou a descida. Optei por guardar apenas um bastão e usar o outro pra ajudar na descida. O primeiro trecho tinha a vegetação mais fechada, menos escorregadia, mas tinha pedras escondidas. Achei melhor descer na maciota pra não me machucar de bobeira. Abri passagem pra algumas pessoas, entre elas o Diego, que seguiu adiante.

Na sequência passei por outro staff anotando o número de peito e segui adiante. O trecho de vegetação deu lugar a uma descida íngreme, lamacenta e escorregadia. Tentei soltar um pouco ali, mas caí umas 5x seguidas, então com ajuda do bastão, fui mais de boas, afinal, não tava com pressa mesmo! rs

Acabada a trilha, começava uma descida de estradão largo, mas bem íngreme. Desci na bota de uma moça que tinha a lâmpada MUITO forte! Já que estávamos perto, aproveitei a companhia e também, não vou negar, o facho de luz da lâmpada dela, já que a minha não estava lá essas coisas.
Acho que ficamos uns 5km juntas, conversamos pouco. A companhia da Claudia estava boa! Encontramos com o Diego meio desanimado na estrada, perguntei se estava tudo bem com ele, respondeu que estava de bode da estrada e perguntou se eu já tinha comido, vide minha cabeça de vento na prova do Canion! rs. Ele embalou junto com a gente pela estrada do Paiolinho e no ponto onde começava a trilha sentido Rio Verde outro staff anotou nossos números e tomamos uma descida mais técnica. Após o cruzar o Rio, eu e o Diego ficamos um pouco pra trás e logo perdemos a Claudia de vista.

Conversamos uns bons bocados sobre diversos assuntos. A companhia durou bem uns 20km!!
Percorremos uma estrada de chão e em alguns pontos tinha até iluminação pública. Meus mantras internos eram somente a decisão do que eu iria comer na próxima hora. Ainda bem que levei bastante coisa, porque só tive vontade de ingerir alimento salgado. Santo xisburgui!!! Méquidônis, patrocina eu!! rs

Da estrada de chão, saímos numa aparente avenida num trecho bem civilizado, diria... Até peguei o celular pra ver onde estávamos, era em Itanhandu! Havia um Honda Fit estacionado e a staff anotou nossos números e indicou a direção do percurso. Perguntei onde havia água e ela me indicou duas garrafas pet no chão. Não tive dúvidas e abasteci meu reservatório.
Ao voltar ao percurso, um morador abriu a janela da casa e falou que tinha deixado água, se a gente tinha pego, disse que sim e agradeci desejando um bom dia! Quanta prestatividade, não?!

Nesse meio tempo comi meus xisburgui, bebi guaraná, fiz amigos, troquei as pilhas da minha lanterna (e aí eu descobri que, sim, a lanterna da Claudia era muito boa, mas as pilhas da minha lanterna estavam acabando!!) e o Diego também trocou as dele.

Chegamos à bifurcação onde os staffs anotaram nossos números e fizeram a conferência de anorak e manta térmica. Itens checados, bora subir todo o trecho que descemos. Naquele momento começou a amanhecer e o contraste da vegetação seca com o céu ainda azul escuro foi um espetáculo!!
Novamente peguei os bastões e nunca agradeci tanto por tê-los! rsrs

Chegamos ao trecho onde eu escorreguei bastante na descida. Com a luz do dia pude ver o porque: era um pasto com trilha usada por gado. Tanto é que enquanto começávamos a subida do pasto, nos deparamos com algumas vacas vindo no sentido contrário, o que me deu muito medo, pois fiquei com medo de ser atropelada. Ainda bem que foram só umas 4 vacas e logo os cachorros do rapaz que estava tocando o rebanho a cavalo pararam de subir, ou seja, não tinha mais gado pra pastorear! Ufa!

Fomos subindo, conversando, apreciando toda aquela linda vegetação típica da Mantiqueira. Fomos encontrando os amigos no caminho. O Seu Luis (que veio de Curitiba com o Diego e Fabio Japa), o Henrique da TRB (que nos encontramos várias vezes durante o percurso!) e o José Carlos. Subimos um bom trecho juntos, fizemos uma pequena pausa pra um lanchinho e também para fotos.
Logo à frente o José deu abertura e passamos eu, Diego e Seu Luis - os dois seguiram adiante e neste momento continuei o percurso sozinha.
Engraçado é que numa prova longa dessas, nesse grau de dificuldade, eu percorri pouquíssimos trechos realmente sozinha!

José Carlos, Diego e Seu Luis


Pausa rápida pra um lanchinho
Então neste momento, logo após o amanhecer, abriu-se, finalmente, uma brecha pras emoções que dificilmente sinto aflorar. Passei a agradecer a Deus por estar ali, por estar bem, tendo visto pessoas desistindo no meio do percurso. Agradeci por não ter encontrado com o Gabriel nenhuma vez, o que significava que ele estava bem e não precisou diminuir seu ritmo a ponto de eu alcançá-lo. E então algo que nunca havia acontecido: lembrei-me da minha mãe, que se foi há 14 anos e o quanto ela e toda a minha família lutou contra uma doença que tive aos 6 anos que, além de sofrer de diversas infecções, atrofiou o movimento das minhas pernas por artrite, me impossibilitando de andar. E aí eu estava ali, com uns 40km rodados de prova sentindo muita saudades da minha mãe e sentindo muita gratidão por tudo o que ela foi pra mim e ainda representa. Chegando ao topo do Campo do Muro, com o pensamento saudoso e vendo todo aquele mar de nuvens logo abaixo, não pude perder a oportunidade de tirar umas fotos.



Agora bora descer!

E então a descida começou. Me senti confiante e bem disposta. Guardei os bastões e fui descendo com a disposição de quem tinha acabado de começar! Passei alguns conhecidos, pedi passagem pra outros, pois não queria desperdiçar aquela energia boa! Me sentia muito leve!!

Ao chegar à Casa de Pedra eu sabia que seria estrada e que seria só descida. Estava me sentindo bem e corri o tempo todo. Passei por mais algumas pessoas, por umas 2x dei uns curtos passinhos caminhando só pra recuperar o fôlego e continuei correndo. Sabia que estava acabando, estava cansada mas estava me sentindo bem!

Foto: Wladimir Togumi

Casa de Pedra ao fundo

Avistei a torre da Igreja e sorri! Faltava muito pouco!
Continuei descendo, o staff me orientou a cruzar a rodovia com segurança me indicando o caminho para a pontezinha. Não queria parar o trotinho e torci para que no próximo cruzamento não houvesse carro naquele momento e dei muita sorte!

Liguei a câmera pra registrar aquele momento só meu, minha chegada, minha vitória!
Virei a última esquina com a câmera ligada. Disse: tá acabando! Avistei o pórtico. Faltavam pouquíssimos metros pra terminar. Senti um misto de alívio e felicidade. E então no auto falante ouvi o Togumi dizendo: Tá chegando mais uma missioneira! É a Cris? Cris, é você? Então levantei a mão acenando. E ele continuou: Cris chegando. Terminando os últimos metros. Finalizando o Short Mision Brasil 2017 em 11 horas e 35 minutos. Enquanto me aproximava do pórtico, ouvia meu nome, pessoas aplaudiam, eu semi chorei, eu sorri e então subi a rampa do pórtico num grito, saltei, ouvi a madeira estalando quando meus pés a tocaram novamente. Eu tinha terminado!!
Abracei o Gabriel que estava no pórtico me esperando. Não sei o que ele me falou e não sei o que falei pra ele, mas estava muito feliz! E a staff deu a medalha na mão dele pra que ele colocasse no meu pescoço! 💕


Foto: Luciene Alves


Foto: Luciene Alves

Foto: Michelle Fonseca

Foto: Michelle Fonseca

Obrigada por estar sempre ao meu lado! 💕
Foto: Fabio Japa


53km com +/- 3.000m D+ e 11h35 depois eu terminei o maior desafio da minha vida!
Em nenhum momento eu pensei em desistir. Em nenhum momento me senti impossibilitada de seguir por dor. Me alimentei e me hidratei direitinho. Segui exatamente o ritmo que meu corpo permitiu e foi um ritmo maravilhoso! E o melhor: em nenhum momento eu senti "bode", nem mesmo nos trechos de estradão!
Minha cabeça funcionou maravilhosamente bem.

Mision cumplida


Sim, agora eu acredito na frase que eu martelei tanto na semana da véspera da prova:
"You never know how strong you are until being strong is your only choice" (Você nunca vai saber o quão forte você é até que ser forte seja sua única escolha).
A mudança do percurso não o fez ficar mais fácil, somente mudou a chavinha mental do meu cérebro pra que eu me sentisse mais confiante.



E aqui eu aproveito para agradecer todas as mensagens de incentivo, todos os pensamentos positivos dos amigos da Zoeira, aos amigos parceiros de percurso, aos amigos parceiros de treinos, aos treinos do Bonde e todo o companheirismo que só o trail running pode oferecer!

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